Já alguns anos eu desaprendi a escrever beijo. B-E-I-J-O. Alguma coisa me incomodava nessa palavra. Não sei se era esse excesso todo de vogal uuggghh que a torna uma palavra.... feia. Primária. Pobre. nhen. Sem graça.
Só o contexto a salvava.
Lábios, por exemplo, é muito mais macia e equilibrada. É sensual e não precisa gritar!
Lábios sussurra, beijo grita.
Beijo é descontrole mesmo.
Os gregos possuiam um vocabulário carregado nas vogais. E eu pondero, "aii, o beijo grego devia ser uma coisa louuuca" (se bem que eu prefiro a pegada dos romanos..hihi) enfim.. beijo por beijo zás: eu implicava!
Beijo é cheia de vogais, mas quem fala alto são as consoantes.
B e J são gri-tan-tes nessa palavra.
Taí, as vogais são maioria, mas ainda assim cedem lugar pras consoantes. bobas muito bobas.
Taí mais ainda,
beijo cede. Cede o tempo todo. Beijo é gasguito e desequilibrado.
E foi aí, senhores, que eu mais uma vez me surpreendi comigo mesma. (e me desculpem a redundância, é só pra ilustrar)
Já cheia de escudos literários, implicância renitente e infantil fiquei de boca aberta para beijo.
Sim, refém. Por alguns segundos refém.
Ele veio desesperado como só ele pode ser,
desequilibrado, correndo, cabendo dentro do frêmito e, os lábios como grandes gentlemans, calaram-se em respeito a loucura alheia.
O beijo é um bandido covarde no jardim de infância.
Eu me calei quando ele me assaltou, e permaneci calada durante a noite inteira.
O beijo foi roubado.
Pedi desculpas, sinceras desculpas à palavrinha. Entendi finalmente porque grita, porque vogal, porque cede, meu deus, eu havia cedido também. Eu cedi pro desequilíbrio. Pro teu beijo sem gênero.
Indefenido.
Eu só sei, senhores, que agora não há mais ranço. Não há ranço com beijo.
E esse beijo que veio gritando e me tomou de assalto num Cais urbano lotado, me deixou, naquele momento, desarmada. Sem ranço.
Entendi beijo, entendi, o porque das suas consoantes irritantes. Zunindo zunindo dentro do ônibus vazio.
Sem ranço algum.
Só restou os lábios e sua cordial comunicação interna. Colando colando entre eles.
Os lábios colam. Os lábios colam sozinhos e aos sussurros. Suco de mangaba, eles me dizem.
E eu escuto os sábios.
Eu escuto o lado sábio dos lábios e repito,
suco de mangaba, o teu beijo é.
É doce, cola e permanece.
Ah, beijo, coisa boba, finalmente, entendo quem tu és!
(Renata Santana)