domingo, 21 de fevereiro de 2010

Time Code.

Saudade é cama vazia
Vadia à noite
e de dia,
pernas atropelam horas
É cedo, não vá embora!

Saudade,
As horas desforradas
e as pernas pontuais, e
ingratas,
Já deixam meu caminho.

Um segundo,
E já és, amor, de todo seis e meia, e
A madrugada que te despenteia, convidando
pra voltar às onze e quinze...

Saudade,
Deita ao meu lado e se demora
Eu volto a fita, eu faço hora,
Eu te soluço,
eu me procuro no teu pulso,

Mas você já se atrasou...



(Renata Santana)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Você viu o meu óculos por aí?

Sabem o que é o pânico ortográfico?

Peraê que a terminologia merece até letra maiúscula: Pânico Ortográfico!

Pois é. Quatro dias de folia rasgada e muito desmantelo. O cidadão do jeito que o diabo gosta, sem horário, patrão, vendo o vizinho gostosão voltar da rua todo dia semi-pelado e bêbado (facinho-faciinho) numa fantasia de pirata, todos os dias assim, de bobeira, nesse frege do carnaval, quando de repente..
pimba!
... voltamos à vida real.
Aí haaaaja calça jeans, sapato fechado, elevador, camisa quente e se eu usasse gravata eu diria gravata.
Não tem quem não volte a trabalhar meio surtado.
Pois foi, senhores. Foi aíí que eu fui atacada pelo Pânico Ortográfico.
Ressacada, mas muito bem disfarçada com meu batom vermelho-fechado-sou-uma-mulher-séria, entrei em pânico no ato de escrever a palavriiiinha "óculos", hoje, durante o trabalho.
MEU DEUS!
É óculos! ó-cu-los, óculos, óculooooooooooooooooooooooooosss! Mil vezes óculos!!
Não saiu.
E fiquei olhando o papel na minha frente. Aquela folha cachorra em branco.
Como é que se escreve óculos, meninaaaaaaaaaaa!!!
Cristo cristo cristo!
Madeira do Rosarinho assoviava como um bezouro quando entra no ouvido da gente.
Frevo frevo frevo,
Óculoooos, criatura! Escreve óculos, vá. Vá, garota, óculos! "O homem atràs do bigode é sério simples e forte, quase não conversa, tem poucos, raros amigos, o homem atrás dos óculos e do bigode" isso mesmo, óculos óculos, a ressalva de Drummond, isso isso isso, vai vai vai.

Não adianta.

Era o Pânico Ortográfico.

Lembro de ter presenciado um Pânico alheio. Pior! Quase fui vítima do Pânico alheio.

Faculdade. O coordenador do curso de jornalismo além de ser um super gato lecionava a cadeira que eu mais gostava, comunicação comparada. Pra mim, ele era O cara. O boffe ia da merda do cavalo da literatura da pior categoria existente ao caviar da mais la cream de la cream das letras.
Eu babava.
Porém,
um dia este professor escrevia algo no quadro quando se virou para a minha pessoa sentada na primeira cadeira, e perguntou:
-menina, me deu um branco terrível, lápis é com "z" ou com "s"?

Eu amarelei!

Ele se voltou pra mim com um ar tão desesperado, porém, tentando disfarçar tudo com um sorriso de "er.. essas coisas acontecem" "nós semo gente como a gente", que eu por pouco não percebi que, no fundo, lá no fundo dos olhos dele, estava instaurado o Pânico!
Mas ele era O cara e eu amarelei tão feio como só uma garota de recém completados 18 anos pode amarelar, e a única resposta que pensei foi:
- ai, eu não sei! Nunca escrevi "lápis" na minha vida. Nunquinha, juro!

Foi. Mas antes que eu dissesse qualquer disparate que envergonhasse Tia Tânia, a talibã da Alfabetização da turminha de 1990,
o professor piscou duas vezes, fez um olhar concentrado, distante, depois voltou a sí, e eu percebi a minha imagem voltando a se formar na frente dos olhos dele. Ele então sacudiu os ombros e disse,
-Ah, hahaha, que branco,!

Assim mesmo, sem cerimônias, foi até o quadro e zás. LÁPIS.

Ele disfarçou, claro. Mas ainda assim, eu vi o Pânico sacudir a sua íris negra para lá e para cá.
Aquela inquietação do olhar que só o desespero traz. A procura de uma saída. Quando falta luz no beco das palavras, nem a lamparina dos mestres. Certo, teacher?

Como todo apagão num estabelecimento com gerador é passageiro, afastei Madeira do Rosarinho uns 5 KM do meu cerebelo, e tal como o professor, pisquei duas vezes, respirei e zás.
Apaguem as velas, ninguém morreu e a luz voltou. Vamos dar uma festa!

ÓCULOS!

A palavra apareceu macia e à vontade,
rebelde, foi alí mais já voltou... Boa filha. Venha cá, pegue na minha mão. Pronto.

Lembrei novamente do professor e tive vontade de rir. Este é o típico problema que ajuda muito quando você lembra que ele também acontece com os outros! Ajuda a não morrer por conta dele.
É igual a carnaval,
vem, te deixa Off, surtado, e passa rapidamente tal qual um encanto..

.. a diferença é que não deixa saudades!




(Renata Santana)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Stop!

Caros senhores,
este blog está entrando em recesso apartir de hoje, mas retorna completamente cheio de cinzas na próxima quarta-feira...



"É carnaval, porra!"

(Renata Santana)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Senhores,
A poetisa queridíssima gostosíssima Mariane Bigio está realizando um doc sobre a poesia Pernambucana, o "Cardápio de Poesia".
Juntamente com o ponto de cultura "Interpoética" (leia-se, a poetisa Cida Pedrosa e o Sennor Ramos, que também mantém um site homônimo) a produção pretende mapear a cena literária (detesto escrever "cena literária", mas não encontro outro nome agora) a partir dos depoimentos dos escritores.
Escritores de todos os gêneros e graus.
E tiveram a cooooooragem, a pachorra, de convidar esta gata para o vídeo.
E eu fui.
Pintei as unhas e fui.
Sem livro autoral publicado, também não tenho lenço ou documento, e perguntei se eles sabiam o que estavam fazendo... espero que saibam!
So, além do meu processo criativo, falei sobre a importância de desfazermos essa ideia secular de que escritores são sempre seres coitadinhos. Gosto disso não. E espero que tantos projetos realizados amiúde e voltados à literatura consigam desesteriotipar(sic) a classe!!
Haja vista o exemplo da FreePorto e tudo o mais..
Escrever, mesmo quando é uma brincadeira, é um ofício de fé.
Só se soa se se sua.


Presentes também em "Cardápio de Poesia", os arretados Gerusa Leal, Biagio Pecorelle, Malungo, Lara, Silvana Menezes, Pedro Américo, e outros que depois eu atualizo pq me deu um branco!!:P
Adoro iniciativas. E parabéns aos realizadores de mais esta.


Making Off no Campus da Unicap

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Josefa, para onde?

Oito horas da manhã e o sol já está pentelhando. Cedo. Muito cedo.
Wake up, silly girl...
han? oito horas da manhã? tarde. muito tarde.
Rela, mazela!
Ohhh... ajuda pensar que sou uma professora de balé clássico, rica, blasé, tenho carro, trabalho poucas horas, largo cedo e ainda em tempo de pegar a mostra de filmes do cinema expressionista alemão. lazy lazy laaazy, Jane. Preparo o café levitando pela casa e tudo na cozinha obedece a dança dos meus delicados gestossshshsshmmmmhmmhm....... DEUS!
Vou perder a hora! tanta coisa tanta coisa!

A água não ferve, o ovo não frita, a pia não pinga. E quem escreveu o contrário vai me levar uma bifa.
(É, Paulo, até você!).

-deus, em sua infinita misericórdia, protegei as garotas que comem em pé.
e, principalmente, às que comem em pé e calçando às sandálias.

Dia dia dia. porque não confessa que me odeia. não vai com minhas fuças. O ônibus queima a parada e eu ando tão sensível que os olhos lacrimejam. O óculos escuro esconde. esconde bem.
No escuro é sempre mais fácil chorar.

Calor. Um verão sem praia ou piscina (ok. mangueirão também serve) não é verão. É inferno.
Ônibus. os olhos procuram o lado da sombra. dark? nada. somente luz. A mulher na minha frente fala do rim do cunhado. não fala. disserta. eu e o rim de Ronaldo. íntimos às nove horas da manhã.
Arhh, quer saber? danem-se os orientais.
Os orientais e este papo de estar 100% presente no corpo, no presente. Concentração no que acontece ao seu redor. Foda-se. Vou ler.
Arranco o livro da bolsa, a minha cartola. Sol nas linhas e nas entrelinhas. Primeiro catabiu e o livro voa da minha mão e se arrebenta no chão ao lado de um jornal(sic) da Universal. Urfs.
Não podia ter sido o rim do Ronaldo? mas, nãao..
Apanho o livro e ele me fita desapontado.
- Ei, não precisa me olhar desse jeito, meu dia também não está legal, ok?

Parada, desce. Desce, porra. (err.. O que aconteceu à bailarina?)

Passe-fácil. Ah, esqueci, agora é VEM. Eu prefiro dizer Bilhete Eletrônico. Tem menos a cara de estudante do GP e caneta com seu nome a 1 Real.
Bem, tudo faz fila do mesmo jeito. amontoado. As pessoas adoram se amontoar.
Crianças fazem montinho umas nas outras. Adultos se amontoam ouvindo 0 jogo do Sport.
"O brasileiro é gregário por natureza" (esqueci o autor e não estou a fim de procurar)

Praça Maciel Pinheiro. Futum. Um homem com um envelope de currículos escarra do meu lado e olha pro relógio.
Preciso passar na casa da costureira pra provar a fantasia. Ahh, sim, as fantasias de carnaval.... Isso anima um pouco. Oh, sim.
"A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
e tudo se acabar na quarta feiraTristeza não tem fim
Felicidade sim"

Trabalha o dia inteiro e leva muito sol no quengo, pensei.

A costureira não atende. Dei a volta na praça em vão. Quanto tempo perdi? Vou seguir. Vou seguir o coelho. Eu devo ser mais neurótica do que ele e a Alice juntos.
Mas também se eu dormir no ponto a tartaruga me passa. aí vai ser muita humilhação.
Passo pela esquina do teatro. ai, saudade de sentar no hall do teatro do Parque e esperar acontecer, tipo assim, cara, alguma coisa legaaaal.
Volto, vou entrar e pegar a programação do mês. Volto, em nome dos velhos tempos, volto.
Dou de cara com a Penelope Cruz. E eu pegaria lindo a Penelope Cruz. Abrazos Rotos. Saco! Como eu ainda não vi esse filme? me odeio. Em outubro tava em cartaz num cinema de São Paulo e me animei para assistir com Ana. Lembro-me bem. Na volta a gente assiste, dissemos. Mas logo depois me bateu mó vontade de assisti-lo em Recife, comendo pipoca, e de mãos dadas com uma persona..
..nossas mãos peguentas da pipoca doce.
Mas voltei à Recife faz 3 meses e nem vimos nem nada. bluft.
Odeio meu lado romântico. Saí do teatro do Parque. Calor. Peguei uma agenda e anotei:
Matarás e roubarás, pero não serás mas romântica (Tá ligada, doida?)
Calor. Apois tá. Essa semana, se ainda der, eu assisto.

Cristo, pai. Os ingressos do baile!
Avenida Rui Barbosa. Andar da Conselheiro Rosa e Silva à Rui Barbosa. Chiei.
Deus, Preciso comer. muita náusea.
Bandeijão bandeijão bandeijão, cadê o bandeijão? tenho que economizar pro dízimo à Momo.
"A gente trabalha o ano inteiroPor um momento de sonho"
lálaálálálálálálálálálálálálálálálálálálálálálá.....
Cadê os porrra do bandeijão?!

-han? como? duas opções de carne? ok. ok. Ei, Preciso lavar a mão, onde tem um... han? não tem água? sei.
ok. ok.

-Deus, em sua secular misericórdia, protegei às garotas que almoçam sem lavar as mãos.
Te devo mais essa! amém.

A Avenida Rui Barbosa não existe para quem desce na Avenida Rosa e Silva.
Tudo é luz. nada se vê. nada se sabe. mistério e calor. a franja derrete sob a testa.
O palhacinho do Detran faz uma piada e buzina na minha cara. Chééééémmmmm!!
-viado.

Puf puf puf, museu do estado, quatro pontos, gata. Continue a nadar.
puf puf,
Posto de Gasolina. Petrobrás. SJ.
-SJ?
-SJ.
-Duas. meia. débito.
-Tks, princesa...

(Princesa?)
Deus, não precisava. eu não pedi cantadinhas de cafuçu... Tá vendo que o Senhor não me entende? corte.

UFSss, os dois ingressos!! Gata wins! Pontuação arrebatadora!
well, e
fazer o caminho de volta...

A Avenida Conselheiro Rosa e Silva não existe para quem desce da Rui Barbosa.Tudo é luz. nada se vê. nada se sabe. mistério e calor. a franja derrete sob a testa....

Trabalho. Caixa de email. Mensagens. Prazos. exclui esse, marca esse, esse exclui definitivamente, esse aqui depois, esse não faço ideia, Em Sorocaba os diplomados conseguem diploma profissional, e
han?
-Hi! books books books, American English file one ou two? Yes, na SBS, welcome! Jogo? não temos esse jogo! Hi! Welcome to the library, guy! Yes, Library and Multimedia Center!
O roteiro? bem eu, haan, telefone toca. Aluno. aluno perdido. pai, mão, vó, responsável, não, este ser livro antigo, nós ter traduções mais recentes, han? quem, eu? ya, Oscar Wilde, ya, mas este ser adulto, no no no.... não pode. não. nãaao pode, tá, xau. -Deus, preciso de um café bem forte.
Telefone, yes yes, mim ser Renata, yes. what, meu rei?

-Deus, cancela, preciso de um homem.
Faz assim, manda os dois ao mesmo tempo.

Do you love me?
so so. (deus é evasivo...)

Saída.
Me olho no espelho e a primeira palavra que me vem à cabeça é: espantalho elétrico.
as seguintes não são tão animadoras,
vencida, farrapo, bagaço, olheiras, sobrancelha assanhada.

Porque não nasci na Russia numa família de bailarinos?

Pensa nos sonhos, se agarra aos projetos, não se deixe vencerrr.
Mas não penso,
somente penso,
no porquê de corremos tanto...

II round,
a volta à costureira.

A noite me assopra os cabelos aos franganhos e fiapos, eu também me assopro e assopro pro vento. Pff...
Fico assoprando dentro da hora marcada. Pfff...
Ele chega e me beija, não me beije. estou podre, alerto.
Ele me abraça e volta a beijar. dessa vez com mais cautela..

De volta ao contorno da praça, o escarro do homem fritou na calçada, mas a costureira chegou.
Agulhas e provas,
provas e prazos
prazos e,
fome.. muita fome...

(Deus me concede o homem e substitui o café por uma proposta de vinho tinto à dois)

Proposta sedutora, mas
tarde demais, Ó, pai..
God, me faça dizer não. Preciso de casa, mais trabalhos, mas prazos at home.

-nao. hoje nao. hmmm

(Em seguida, anotei também: Pior que ser romântica, é ser uma moça responsável!)


Mais ônibus.
dois.
Todos no coletivo têm cara de desilusão.
Mas, claro, as dos que estão em pé consegue ser ainda pior...

Eu estava em pé.

Mais uma vez a pergunta: porque corremos tanto? O quê vale tanto à pena?

Ônibus linha de bairro.
conhecidos sobem e descem sem parar. Alguns amigos de outrora me perguntam,
-Ei, o que tens feito?
- fmfphfhpfmhfh

- E aí tás bem?
- hurrpffffghghghg

- Me conta as novidades?
- ...............................................................................



Casa. Casa. Casa. Casa. Casa.
e Ninguém em casa...
Advinha quem veio para o jantar? Eu. somente eu.
Jantar Lavosier,
nada se perde nada se cria... Ok. ok.
tomate, pasta de alho, ("Essas tolas acham que o alho empesta" ) dizia Dona Flor, defendendo o tempero. Preciso de tempero. bastante.
Panela no fogo.
Chuveiro tirando o sal do corpo. Destempero. bastante.

-Deus, em sua escalafobética misericórdia, protegei as garotas que lavam, pacientemente, a calcinha embaixo do chuveiro...

O cabelo pinga pelo chão, a camisola é fina e se ensopa, a brisa entra, nuca, frescor, muito frescor, a comida quente, a música, ya, Cole Porter for a good girl. ya, o molho escorre, e o piano o piano o piano também se derrama...
Oh, Niina..
"my baby just care for meee.."

who? who just care for me?

- me.


Sozinha cuidando tocando em frente, mas,
Porque, Para onde, Josefa?
A música, o prazer, o descanso, a mansidão, o lar, nada mais importa.


O que vale à pena nessa vida sempre foi a furtiva hora do recreio.



(Renata Santana)





Adendo:
Lembro do Cebolinha, num VHS dos anos 90. Toda vez em que dizia "Ahh, que dia malavilhoooso", não dizia. Simplesmente não conseguia terminar a frase. Algo sempre acontecia. Vazos caiam em sua cabeça. Havia uma boca de lobo na rua, cachorros latiam, e outros empecílhos... Na vida real não é tão diferente.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Re-contando os amores.

Senhores, morri!

Brincadeira,
mas quase morro mesmo! De felicidade, quando soube que o livro "Contos de amor rasgados" da Marina Colasanti, foi reeditado pela Editora Record!

Vou falar de novo,

A Editora Record acaaaaaaba de relançar "Contos de Amor Rasgados", isso isso isso!

Sabe aquele livro com o qual você tem relações amorosas? Pronto.

Este foi o livro que há 7 anos me deu um diagnóstico:

Eu, Renata, não sou louca.

Oi?

Sim, sim, sim, tá bom, eu sou um pouquiinho louca, sim, nhem pra vocês :P.

Mas,

até os 16 anos, eu acreditava que a minha literatura não era literatura.

Ou era, mas era preguiçosa.

Haja vista que eu gostava de escrever histórias, mas o ponto final-finalíssimo sempre vinha depois da quarta ou quinta linha.

Numa época da sua vida em que os professores de literatura fazem do José de Alencar o Best Seller da sala de aula, as nossas referências ainda são rasas e, eu confesso que aprendi muito mais com sebistas da Rua da Roda do que com as listas dos "mais pedidos" do vestibular.

O problema era lutar contra Perí, tranquilo e infalível (até hoje).

Pois bem, quando "Contos de amor rasgados" caiu na minha mão, num sebo e ao preço de 5 pila, eu li o primeiro conto e quis morrer!

A narrativa de Marina em Prosa-Poética construía um livro de 200 páginas recheado daquilo que eu conheci depois com o nome de mineconto. Havia contos com até 4 linhas!!

Eu não era louca, nem preguiçosa e escrevia minecontos.

Claro,

aos 16 anos você é louco, irresponsável, inconsequente, tarado, pisa muito na bola e tem preguiça crônica e sono de múmia.

But,

aprendi com esse livro que este diagóstico não se aplicava necessariamente ao fato de que eu gostava de contar um história em poucas linhas ao invés de seguir o padrão arcadista.

Pronto. Descoberto isso, dedada com gerêrê pra todo mundo.

Dane-se o Peloponeso!

Se tudo isto tivesse acontecido comigo hoje, eu já teria dado a dedada com gerêrê , mas quando o sujeito é adolescente, ele precisa de uma identificação. Um mártir, ou coisa assim.

Numa edição da Rocco de 1986 - o ano em que eu nasci, aliás hehe- e com uma capa simples e curiosa (sugestiva, eu diria),

eu não poderia deixar de reproduzir aqui uma outra "história" dentro da história do livro:

A dedicatória.

Algumas dedicatórias nos contam tanta coisa tanta coisa, que é como se histórias paralelas atravessassem o tempo, alí, dentro dos livros, arrastando-se pelos sebos e passando de mão em mão.

A dedicatória do meu exemplar é assinado por uma mulher à flor da pele chamada Ana.





Às vezes, me pego pensando,

"por onde andará, Ana?" "O que terá acontecido àquela paixão? será que durou somente mais umas duas idas ao motel, naquela hora do almoço, onde tudo é fuga e fogo,

a conta paga, os corpos entregues, o relógio, o segundo turno no trabalho, a volta, o sol, a saudade...

Ou não,

Ana, então, se casou com aquele homem cujo toque era acesso fácil para os seus túneis de pulso e impulso,
teriam casado e tido filhos e, hoje, o contato não é nada mais do que uma pensão alimentícia depositada no Banco do Brasil?".

Nunca vou saber.

Por isso, senhores,

O novo lançamento de "Contos de Amor Rasgados", na Livraria Cultura por 30 reais, é uma grande oportunidade de rever esta obra da Marina - sempre um pouco apagada dos holofotes literários, talvez até sempre na sombra do seu marido, o poeta Affonso Romano de Sant'anna - bem como também para inspirar e servir de presente e atestado para outras paixões, como a de Ana.


Ai!


*Segue abaixo exatamente o primeiro conto que li do livro, em pé, numa daquelas apertadas lojas do sebo, acho que foi a do Augusto, mas não importa.


Por Preço de Ocasião
(Marina Colasanti)
Comprou a esposa numa liquidação, pendurada que estava, junto com outras , no grande cabide circular. Suas posses não lhe permitiam adquirir lançamentos novos, modelos sofisticados. Contentou-se pois com essa, fim de estoque, mas preço de ocasião.
Em casa, porém, longe da agitação da loja - homem escolhendo mulher, homem pagando mulher, homem metendo mulher em saco pardo e levando às vezes mais de uma para aproveitar o bom negócio - percebeu que o estado da sua compra deixava a desejar.
"É claro", pensou reparando na sujeira dos punhos, no amarrotado da pele, nos tufos de cabelos que mal escondiam rasgões do couro cabeludo, "eles não iam liquidar coisa nova".
Conformado, deitou-a na cama pensando que ainda serviria para algum uso.
E, abrindo-lhe as pernas, despejou lá dentro, uma por uma, brancas bolinhas de naftalina.
.
*Ana, comigo há tanto tempo, esteja você viva ou morta, este relançamento foi para mim.. e para você!*

(Renata Santana)