terça-feira, 27 de abril de 2010

E por falar em mangaba,

senhores, eu apresento para o vosso deleite um dos meus poemas preferidos do escritor recifense Biagio Pecorelle.



Na cama, depois da praia.

Eu tramo hiatos no relicário do destino
talvez para adocicar a ação pétrea do tempo
talvez apenas para o adornar de miçanga
mas tu me sangra, tempo, sempre,
pela veia nau da nostalgia...

Eu lembro de Jandira,
sentada no beliche
prendendo cabelo e
fuçando na revista a
exuberância de Jocasta -
melhor dizendo, a lascívia de Vera Fischer.

que pena,
Jandira era muito mais.
coçava minhas cataporas
trazia pirulitos de helicóptero
pena que...

Minha bazuca de ovos falhou
já perto do céu,
na cobertura do edifício.
meu irmão chegou e tomou meu juízo pela orelha.

E Jandira?
o que fez?

calada estava
e espanando os móveis da sala
ficou.

se a mocidade fosse um copo de suco
(qualquer suco!)

colaria sempre um lábio no outro,
feito mangaba...
feito Jandira
na cama, depois da praia,
vacilando de maiô.

(B. P.)




___________________


Diga mais nada.
(Renata Santana)










terça-feira, 20 de abril de 2010

Feito mangaba

Já alguns anos eu desaprendi a escrever beijo. B-E-I-J-O. Alguma coisa me incomodava nessa palavra. Não sei se era esse excesso todo de vogal uuggghh que a torna uma palavra.... feia. Primária. Pobre. nhen. Sem graça.
Só o contexto a salvava.

Lábios, por exemplo, é muito mais macia e equilibrada. É sensual e não precisa gritar!
Lábios sussurra, beijo grita.

Beijo é descontrole mesmo.

Os gregos possuiam um vocabulário carregado nas vogais. E eu pondero, "aii, o beijo grego devia ser uma coisa louuuca" (se bem que eu prefiro a pegada dos romanos..hihi) enfim.. beijo por beijo zás: eu implicava!

Beijo é cheia de vogais, mas quem fala alto são as consoantes.
B e J são gri-tan-tes nessa palavra.
Taí, as vogais são maioria, mas ainda assim cedem lugar pras consoantes. bobas muito bobas.
Taí mais ainda,
beijo cede. Cede o tempo todo. Beijo é gasguito e desequilibrado.

E foi aí, senhores, que eu mais uma vez me surpreendi comigo mesma. (e me desculpem a redundância, é só pra ilustrar)

Já cheia de escudos literários, implicância renitente e infantil fiquei de boca aberta para beijo.
Sim, refém. Por alguns segundos refém.
Ele veio desesperado como só ele pode ser,
desequilibrado, correndo, cabendo dentro do frêmito e, os lábios como grandes gentlemans, calaram-se em respeito a loucura alheia.

O beijo é um bandido covarde no jardim de infância.

Eu me calei quando ele me assaltou, e permaneci calada durante a noite inteira.
O beijo foi roubado.
Pedi desculpas, sinceras desculpas à palavrinha. Entendi finalmente porque grita, porque vogal, porque cede, meu deus, eu havia cedido também. Eu cedi pro desequilíbrio. Pro teu beijo sem gênero.
Indefenido.

Eu só sei, senhores, que agora não há mais ranço. Não há ranço com beijo.

E esse beijo que veio gritando e me tomou de assalto num Cais urbano lotado, me deixou, naquele momento, desarmada. Sem ranço.
Entendi beijo, entendi, o porque das suas consoantes irritantes. Zunindo zunindo dentro do ônibus vazio.

Sem ranço algum.
Só restou os lábios e sua cordial comunicação interna. Colando colando entre eles.
Os lábios colam. Os lábios colam sozinhos e aos sussurros. Suco de mangaba, eles me dizem.
E eu escuto os sábios.

Eu escuto o lado sábio dos lábios e repito,
suco de mangaba, o teu beijo é.

É doce, cola e permanece.

Ah, beijo, coisa boba, finalmente, entendo quem tu és!



(Renata Santana)

sábado, 17 de abril de 2010

Notinha do Caderno C diz

que o programa Ensaio da TV Cultura mostra o lado intimista de Fernanda Takai...
e eu me pergunto,
e quando ela mostrou o lado NÃO intimista dela??

domingo, 11 de abril de 2010

Eu lembro da Rizzo.

Poderia me lembrar de muitas fora a Rizzo. Tenho vários exemplos. Mas por alguma razão, hoje, somente a lembrança do dilema da Rizzo bate latente na minha cabeça. Talvez por ser um dilema musical. E música quando gruda, gruda.

Pelo motivo real em cima de fatos ficcionais é que afirmo a sentença:
nós preferimos as vilãs.

E por isso, na primeira oportunidade, fazemos cara de má na frente do espelho e tiramos dezenas de fotos com a nossa Sony caseira.... Mas,

Who’s bad?

Ser a mulher inatingível cansa. Cansa a beleza.

(E deve ser por isso que a madrasta má da Branca de Neve é obcecada em voltar a ser bela)

Ufs.

Já disse e reitero: É ótimo bancar a vilã, porém, o coração não usa salto Prada.
E quando percebemos o pobre coração correndo descalço é hora de você, a dona dele, também pendurar as chuteiras. Tirar o salto é descer do topo que nos torna inatingível.

Alguns encaram como uma derrota, como eu, até então. Mas a novidade, senhores, e também a dica que lhes dou, é: aceite o seu coração apaixonado.
E não só isso.
Aceite a sua situação de total fragilidade porque ela faz parte do pacote.
O pacote do coração apaixonado é cheio de surpresas. Viva cada uma delas.

Pagu, a imbatível e charmosa (e pegadora) militante comunista, já no começo do século XX dava pinta de mulher inatingível, e se autodefinia, companheiros, como
“Uma mulher de ferro com zonas erógenas e aparelho digestivo”.

Onde está o coração dessa moça? Escrevendo para o Partido na Rússia?
Claro que não.
Tava batendo, apaixonado por todos os homens que amou, mas com um salto plataforma que o deixava camadas e camadas acima da vã superfície.

Ai, como eu quero a vã superfície. Afinal, viver como que nas nuvens nos torna distantes da realidade. Do real. Do tangível.

Lembram do pega-pega congelou? Só saíamos do estado estático, do gelo, da inércia, quando alguém nos tocava. (Ahh como são felizes os exemplos infelizes).

É nisso que eu me lembro da Rizzo. Pobre Rizzo. Na canção-tema, curtinha curtinha, que cantava na trilha chiclete de Grease, sim, aquele musical que assistimos 100 vezes na Sessão da Tarde, ela, a garota má, tentava se equilibrar no salto.

Rizzo, meu deus, logo Rizzo. Rizzo sem vestido de bolinhas. Rizzo sem uma franja boboca na testa. Rizzo acima do bem e do mal, confessava solitária em sua canção que seria capaz de fazer inúmeras coisas improváveis e impossíveis, como ser um broto caseiro e certinho, mas que jamais, nunca, nunca, seria capaz de chorar na frente do amado.

É mais possível fazer o impossível do que derramar as suas lágrimas na frente dele.

Demonstrar fraqueza? Jamais!

Lá lá lá mas essa lua, mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo lá lá lá. É.
Drummond fica fraco e põe a culpa na lua e no conhaque.

Porque não assumir?!

Se fugimos desse estado de entrega e suas cartas ridículas é porque algo nos amedronta.
Só fugimos daquilo que nos mete medo. Fugimos do novo e do desconhecido.
E o medo é a não-vida.
O coma.

E o outro lado? O outro lado é aquele menino da escola com quem você repartiu o lanche, mas depois que rolou um beijo naquele dia, no recreio, ele passou a se esconder de você. Inclusive, fiquei sabendo que mudou de colégio.

Nenhuma sociedade é mais medrosa do que a moderna. Os homens e mulheres modernos.

A síndrome da Regina Duarte está, finalmente, me deixando.
Eu não tenho mais medo.
Eu não fujo mais.
E lamento muito por quem ainda o faz.

Decidi, senhores, decidi que não tenho mais medo da entrega.
Tiro agora o salto para quem chegar.
Quem chegar vai me encontrar descalça, os pés felizes vivendo bactérias e anticorpos. Acendi a luz e, vejam só, não há monstros debaixo da cama. Quero outra vez olhar e, tudo claro, ver que embaixo da cama só resta mesmo um par de saltos. Uma plataforma gigante, gasta, puída, fora de moda e que não me cabe mais.
Não me diz respeito.

Tantos anos apaixonada pela Luzia de Drummond (“tão alta que o beijo não alcançava”), agora, me parece vital deixar o quarto escuro da UTI, sem seqüelas de traumas, quedas e feridas anteriores, para me apaixonar por tudo aquilo pelo qual meu coração bate.
E bate livre, sem débitos e pagando pra ver. Afinal, viver a prestações pode sair muito mais caro.



Vídeo da Rizzo no link,
http://www.youtube.com/watch?v=RGUfn930F0Y&feature=related



(Renata Santana)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Era uma segunda-feira.

Uma segunda-feira particular em um mês qualquer do ano de 1999.

Havia chovido durante todo o fim de semana. Chovido tanto. Chovido muito. Chuva sem trégua. Chuva para uma cidade despreparada e para pessoas sem guarda-chuva. Tempestade em algo como o outono ou o verão. Não importa. Estava fazendo sol, mas de repente chovia sob flores e frutas maduras. Mas nada realmente passou a importar, e todos começaram a voltar mais cedo pra casa. Ou nem chegar a sair.

Muita chuva.

Muita chuva, minha mãe. Volte a dormir, minha filha...
Não, eu não fui à escola. Abracei o frio e os desenhos animados na TV. Minha mãe também não foi trabalhar e assistiu toda programação da manhã na minha cama. Aquela segunda não corria, somente deslizava oscilante pelo vidro da janela do quarto.
Ora fúria, ora resignação. A TV vacilava, chiava, mas nada importava naquela segunda-feira de leite com Nescau no copo colorido. Nada.

Devagar, toda família foi retornando mais cedo pra casa.

Ao meio-dia no meio do dia da chuva do desmantelo da barra da calça molhada do expediente não cumprido, a minha irmã voltou pra casa. Voltou com um jornal nas mãos e replicando alto e chocada o que a manchete dizia: Prefeito declara estado de calamidade pública!

E repetiu:
Minha gente, o prefeito declarou estado de calamidade pública, ninguém deve sair de casa hoje!!

...

Ca-la-mi-da-de pública.

A palavra caiu como uma luva em minhas mãos frias. Aqueceu todos os dedos vãos.

Calamidade pública. Aquilo me deu um conforrrrrto. Um alívio. Uma vitória.

Era o dia em que numa segunda-feira comum, todos estariam em casa, surrealmente almoçando juntos, sem nada pra fazer. Se fosse num sábado de sol, não estaríamos todos la na sala, assistindo filme catálogo em plena hora do almoço.
Mas era uma segunda.
Era uma segunda-feira e a cerâmica estava fria, todos estavam calmos com roupas de casa num estado profundo de Calamidade.
Estado de Calamidade, ela disse. Nada me deu tanto conforto. O dia seguiu.

É.
Vieram outras segundas e outras e outras. Também vieram muitas chuvas e hoje à noite, tantos anos, eu me lembrei daquele dia em 1999 e agradeci.


Agradeci porque precisei acordar cedo para ir estudar. Agradeci por que precisei trabalhar logo em seguida e trabalhei muito o dia inteiro e fez tanto calor, mamãe, tudo bem? Ta podendo falar agora? A senhora está bem? Oh! Que calor fez hoje, né?! Ah mami, saudades, te ligo depois...
e trabalhei e voltei pra casa à noite super cansada e não tive tempo pras coisas que eu gosto.

Agradeci muito por isso.

Eu agradeci quando vi o Rio hoje pela televisão.



(Renata Santana)





Calamidade pública: Chuva desabriga cariocas. Imagem: Último Segundo.